"Hoje é
dia 24 de Novembro, Dia Nacional da Cultura Científica, em homenagem a Rómulo
de Carvalho: professor, metodólogo, investigador, e autor de manuais escolares,
de livros de divulgação científica e de poesia, estes últimos sob o pseudónimo
de António Gedeão.
Em
1996, Mariano Gago, o então Ministro da Ciência e da Tecnologia e admirador da
obra de Rómulo de Carvalho que completava 90 anos, propôs uma homenagem
nacional ao talentoso professor. Mariano Gago já havia prefaciado, em 1992, o
livro “A Física no dia-a-dia”, onde dá conta do valor de Rómulo de Carvalho, mas
considerou que era oportuna a iniciativa de uma homenagem maior. Na notícia do
jornal “Público” de 24 de Novembro de 1996, propôs que aquele dia do ano se
tornasse Dia da Cultura Científica.Esse dia devia ser «momento privilegiado, todos os anos, de balanço, de
reflexão e de acção sobre o papel do conhecimento no nosso futuro».
Rómulo
de Carvalho publicou cerca de cem obras, desde livros sobre a história da
ciência aos seus cadernos de divulgação científica, não esquecendo os manuais
escolares, ainda na memória de muitos como os “cadernos do Pedrito” (modo carinhoso de referir os seus livros de Ciências da
Natureza) ou os compêndios de Física do ensino secundário.
Publicou
dois livros de divulgação de ciência em três números da colecção “Biblioteca Cosmos”, dirigida por Bento de Jesus Caraça, que foi um
marco da divulgação de ciência nos anos 40. Foi mentor e autor da coleção “Ciência para Gente Nova”, onde publicou oito dos nove livros dessa coleção. Tratam de
histórias de ciência ou de desenvolvimentos tecnológicos: o do telefone, da
fotografia, dos balões, da eletricidade estática, do átomo, da radioatividade,
dos isótopos e da energia nuclear. Alguns desses títulos chegaram à terceira edição.
A “História dos Balões”, conheceu mesmo uma quarta edição nos anos 90.
Rómulo
de Carvalho procurou dirigir-se em «Física para o Povo», não a
uma elite instruída ou interessada em ciência mas a toda a gente. Publicou esse
livro «com a intenção de promover a cultura popular», como ele próprio escreve
nas suas «Memórias». A reedição, em 1995, saiu com o novo título de “A Física no dia-a-dia” por
decisão de Rómulo de Carvalho que escreve «…não me pareceu bem aquela referência ao povo depois do 25
de Abril.».
Um dos
vários trabalhos, com o objetivo de promover a ciência e o conhecimento
científico e tecnológico, que Rómulo de Carvalho abraçou após a sua aposentação
foram os 18 "Cadernos de Iniciação Científica",onde recorreu a uma linguagem atraente no discurso e na
imagem. O valor destes cadernos justifica que eles tenham sido reunidos num só
volume, em 2004, com a chancela da Relógio D’Água. Nesse volume encontra-se uma
abordagem científica de temas basilares da ciência como os constituintes da
matéria, a energia, ondas e corpúsculos, magnetismo e eletromagnetismo."
Helena Aires Rodrigues, Professora de Física e
Química na Escola Secundária de D. Duarte – Coimbra e Doutoranda em Ensino das
Ciências – ramo de Física. (retirado do blog Rerum Natura)
António
Gedeão
Poema para Galileo
Estou olhando o teu retrato, meu
velho pisano,
aquele teu retrato
que toda a gente conhece,
em que a tua bela
cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto
cabeção de pano.
Aquele retrato da
Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo!
Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos
Ofícios.)
Aquele retrato da
Galeria dos Ofícios da requintada Florenca.
Lembras-te? A Ponte
Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria
Eu sei... Eu sei...
As margens doces do
Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade,
Galileo Galilei!
Olha. Sabes? Lá em
Florença
está guardado um
dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra
que está!
As voltas que o
mundo dá!
Se calhar até há
gente que pensa
que entraste no
calendário.
Eu queria
agradecer-te, Galileo,
a inteligência as
coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões
de homens como eu
a quem tu
esclareceste,
ia jurar -- que
disparate, Galileo!
-- e jurava a pés
juntos e apostava a cabeca
sem a menor
hesitação --
que os corpos caem
tanto mais depressa
quanto mais pesados
são.
Pois não é
evidente, Galileo?
Quem acredita que
um penedo caia
com a mesma rapidez
que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a
inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a
lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que
tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua
frente
um friso de homens
doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te
severamente.
Estavam todos a
ralhar contigo,
que parecia
impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse
tornando num perigo
para a Humanidade
e para a
Civilizacão.
Tu, embaraçado e
comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio
de piedade,
os rostos
impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos
habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das
suas alturas
e poisaram, como
aves aturdidas -- parece que estou a vê-las --,
nas faces grávidas
daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo
a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas
eminências desejavam,
e dirias que o Sol
era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros
bailavam e entoavam
à meia-noite
louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca
mais repetirias
nem a ti mesmo, na
própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis
heresias
que ensinavas e
escrevias
para eterna
perdição da tua alma.
Ai, Galileo!
Mal sabiam os teus
doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo,
empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e
a rolar pelos espaços
à razão de trinta
quilómetros por segundo.
Tu é que sabias,
Galileo Galilei.
Por isso eram teus
olhos misericordiosos,
por isso era teu
coração cheio de piedade,
piedade pelos
homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus
dispensou de buscar a verdade.
Por isso
estoicamente, mansamente,
resististe a todas
as torturas,
a todas as
angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do
alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa
dos quadrados dos tempos.
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